sexta-feira, 26 de maio de 2006

VENDAS NOVAS na literatura portuguesa

Vendas Novas, é uma cidade nova, é uma urbe muito jovem no panorama nacional e regional. Outras há no nosso distrito muito mais antigas, como Montemor, Arraiolos, Évora, e que por esse motivo e porque estão carregadas de história, são citadas, com muita frequência, em obras literárias, por autores nacionais, e estrangeiros.


Um dos grandes escritores do século XX, José Cardoso Pires, que possivelmente por aqui terá estado no cumprimento do serviço militar, escreveu em 1953/54 um dos romances mais premiados, uma obra no dizer do autor, “de testemunho, uma obra de proveito e exemplo – um romance, no sentido tradicional do termo, destinado unicamente a ilustrar uma legenda, uma moral ou um clima humano, para lá de qualquer imediatismo de tempo e de lugar histórico”.

Toda a acção decorre em Vendas Novas, “Cercal Novo” como nome ficcional.

Foi publicado em 1963 e obteve o prémio Camilo Castelo Branco da Sociedade Portuguesa de Escritores e o prémio dos Suplementos Literários do mesmo ano. Foi considerado na Itália «livro da semana» e está traduzido em Espanha, França, Itália, Roménia, Hungria, Alemanha, e ex-União Soviética:

Proponho aos leitores que, após lerem umas pequenas transcrições do romance, e com as pistas dadas, procurem saber :

Qual o seu título.

«Espalmada em córregos secos, numa terra de barro e areão que encarquilha ao sol; rasgados os campos pela estrada longa de asfalto ou por baforadas ronceiras de comboio – assim, no despontar da charneca, fica Cercal Novo: um clarim, uma igreja abraçada ao quartel, meia dúzia de casas ao correr da estrada, e principalmente um silvo, um delicado traço de fumo a alastrar sobre a planície:
“Uuuuu…”
“Comboio de Évora”, dizem os militares nas casernas.
“Comboio de Évora”, diz-se na cadeia, na enfermaria e na Casa do Soldado. “Comboio de Évora, comboio dos correcços e de quem vai de licença.”
E ao balcão das vendas alguém canta:

Lá vai o comboio, lá vai
Lá vai ele a assobiar… »

« Vêem, entre meia dúzia de árvores em frangalhos, um bando de crianças a contas com um tesouro. Granadas esventradas, montes de cobre torcido, cacos de aço, cacos e mais cacos, e os garotos numa roda viva, gritando e chegando lume a esses pedaços de morte para lhes tirarem os restos de pólvora.
“Pfe”, faz a pólvora.
“Pfe”, fazem também eles, em grande galhofa.
“Pfe, pfe.”
Empurram-se e brincam, acendendo fósforos, e pulam na terra queimada entre labaredas breves. A mulherzinha sentada no chão, assiste a tudo. Cansada, de goelas abertas, procura dar sinal de si. Mói-se e remói-se para que lhe prestem atenção.
“Nelinho.”
Os garotos nem se dignam saber dela. A velha, à parte, estrebucha:
“Tu ouves-me, Nelinho?”
É o mesmo que nada, é perder tempo e saliva. Nelinho e os companheiros só têm olhos para o tesouro que rebuscam com tanto alarido. Andam excitados com o cheiro da pólvora e perderam o medo dos adultos. Aqui e ali, entre os troncos enfarruscados, nascem e morrem continuamente pequenas chamas, luzes de naufrágio ou quase, sopros de alegria: “pfe, pfe.”»

«Aí vem o momento desejado: um trovão medonho, abalando os ares.
O bando firma-se num pedaço de céu em que irá passar um ponto negro – o projéctil. Alguns vêem-no, outro inventam-no, mas desta vez, qual não é o espanto deles, sentem-no explodir no ar, desabando uma saraivada de bicadas secas sobre as magras árvores que os abrigam. Tec, tec, tec…Angelina atira-se para o chão, a rajada de fogo morde sem piedade o reduzido chaparral.
“é de balas”, grita uma voz, parece que a do Nelinho.»

«”Granadas de balas, granadas de balas…”
“Janico!”, berra com todas as forças.
O Portela aparece à boca da pedreira. Vem a coxear levemente, sem grandes pressas.
“Aleijei-me”, diz ele.
Aníbal puxa-o por um braço, esforça-se por salvá-lo daquele inferno, fugir para longe. Mas ao dobrar-se sobre a perna do amigo arrepia-se: por baixo do joelho alastra uma mancha escura, pesada. Estende a mão, apalpa-a. Os dedos vêm quentes e molhados: sangue. O Portela tinha levado uma bala.»

O desafio está lançado.
Descubram este grande escritor… e leiam-no.

Mourato Talhinhas
MouTal

10 comentários:

MouTal disse...

Não seja por isso que o meu amigo não o relê, o meu exemplar está à sua disposição, é só questão de combinar onde quer que lho entregue.
Valeu?
Os meus cumprimentos para si também.

João Fialho disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
João Fialho disse...

Já tive este livro aqui em casa, emprestado pelo amigo Moutal.

Comecei a sua leitura por duas vezes. Fui, por isso, reincidente. Ainda consegui chegar à página 40 e tal, no segundo arremedo de leitura.

No entanto, ou eu não estava para aí virado, ou a minha incompreensível falta de sensibilidade para aquele tipo de escrita foi mais forte.

Foi este o primeiro livro em que tal me aconteceu. E não sei porquê. Ainda por cima, não desgostei do outro que já li do mesmo autor: "A balada da praia dos cães".

Fico com a impressão de que Cardoso Pires não irá ser o meu escritor favorito. Lamento, digo eu. Porque o autor merecia mais da minha parte ...

Anónimo disse...

A avaliar pela entrevista dada pelo Presidente da Câmara de Vendas Novas à Gazeta de Vendas Novas será Vendas Novas o oásis do País .
Ele é o nivel de desenvolvimento !
Ele é o deslumbramento de quem nos visita !
Ele é um caso de estudo !
Ele é a politica seguida há 30 anos !
Dá vontade de reflectir:
Que sorte , que felicidade para a população de Vendas Novas este modelo de gestão C"D"U e respectivos eleitos .
Mas do que é que o País está á espera ?
Zé Figueira a 1º Ministro !

Anónimo disse...

Tá boa ! na verdade ainda não me tinha apercebido da sorte que tenho em ter há 30 anosá CDU a governar Vendas Novas.

È pena é levar 30 anos com esgotos a céu aberto ;

È pena é há15 anos chegar á porta da minha casa com os pés cheios de lama mesmo no centro da cidade ;

È pena é não haver segurança para os peões na Estrada Nacional ;

É pena é etç. etç. etç.

Anónimo disse...

Lembro-me como se fosse hoje quando me deste o livro para ler, exactamente por falar em VN. Depois de conhecer o José Cardoso Pires com esse livro tive que ler mais uns! Aconselho vivamente o "Alexandra Alpha" e o "De Profundis, Valsa lenta".

Ainda sobre Vendas Novas, escreveu também uma crónica sobre o tempo que passou na Escola Prática de Artilharia (cujo nome não me recordo), mas que podem encontrá-la no livro de crónicas "A Cavalo do Diabo". Se a memória não me falha fala no Polígono e numa casa de "meninas" que por lá houve(???).

Agora tens que escrever um post sobre a inclusão de VN num dos melhores romances portugueses de todos os tempos: "Memorial do Convento" do nosso Prémio Nobel! Não esquecendo, do mesmo autor, o "Levantado do Chão"!

MouTal disse...

Lembrou a "maftal" uma crónica de José Cardoso Pires, intitulada MEMÓRIAS DO «STRIP-TEASE», de que eu já não me lembrava. A crónica, que é escrita na primeira pessoa, esclarece que realmente o escritor cumpriu o serviço militar na E.P.A.
A crónica começa assim,«Nos tempos em que eu andava a marcar passo no quartel de Vendas Novas o postíbulo dos soldados era um casarão camponês à saída da vila, com uma cegonha pousada num pau de fio.»
Leiam José Cardoso Pires, vão descobrir um escultor da escrita, e das palavras.

Compadre Zéi disse...

confesso a minha ignorancia em termos de literatura portuguesa, mas sempre fui mais virado para outras leituras - ligadas à Histtória geral e militar em particular... (se um meu ascendente sabe disto deserda-me !!!)

mas gostei muito de saber que VN é representado por alguém como o José Cardoso Pires... muito me apraz enquanto vendasnovense !

a todos um abraço do Compadre Zé !

P.S. C. Moutal, já tenho saudades dos cafés matinais de sábado mas como agora trabalho por turnos, é raro ter um fim de semana livre... por isso, até um destes dias !

MouTal disse...

Também já tenho saudades das nossas prosas.
Até qualquer dia, e um abraço.

Anónimo disse...

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