O mercado de Vendas Novas
O MERCADO DE VENDAS NOVAS
Feiras, mercados e poesia popular andaram relacionados durante muito tempo na sociedade portuguesa. Para além da actividade comercial, estes eventos tinham também uma vertente social e cultural muito fortes. Aí se encontravam camponeses e artesãos, para oferecer os seus produtos, se divulgavam novas técnicas, convivendo e divertindo-se durante um ou mais dias. A poesia desempenhava um papel importante, não raras vezes com uma vertente satírica e brejeira. Era vendida em simples folhas de papel ou fazia parte da literatura de cordel exposta justamente num cordel nalgumas bancas mas, era nos encontros entre os poetas "dezedores"que a sua dimensão social e lúdica se notava mais.
O que a seguir apresento não passa de um ensaio de uma forma de poesia usada em várias zonas de Portugal e particularmente no Alentejo. Designavam-na como quadras ou décimas de cento e vinte pontos. Com efeito, partia de uma quadra que servia de mote, seguindo-se-lhe quatro estrofes de dez versos, contendo cada um destes três palavras, quase sempre substantivos ou nomes. O poema tinha um aspecto formal muito forte resultando porém, numa melodia muito característica quando era dito.
Para o efeito, escolhi como tema o mercado de Vendas Novas, que se realiza mensalmente e onde se vende de tudo, animado de gente, cor e movimento por entre pregões, cumprimentos e sorrisos.
O Mercado
Barracas, tendas e bancas,
Estrados, panos, panais,
Martelos, plainas, alavancas,
Agulhas, linhas e dedais.
I
Botas, chinelos, sapatos,
Quadros, pinturas, fotografias,
Discussões, brigas, desacatos,
Honestos, patifes, rufias,
Lápis, canetas, afias,
Fechaduras, cadeados e trancas,
Direitas, coxas e mancas,
Citadinos, camponeses, aldeões,
Anúncios, cartazes, pregões
Barracas, tendas e bancas.
II
Mesas, cadeiras, sofás,
Tartarugas, peixes e aquários,
Jóias, cofres, relicários,
Enxadas, picaretas e pás,
Emblemas, bandeiras, crachás,
Luvas, babetes, aventais,
Serrotes, facas, punhais,
Relógios, fios e pulseiras,
Barulho, lama, poeiras,
Estrados, panos, panais.
III
Lençóis, edredons e fronhas,
Vinhos, petiscos, cafés,
Barretes, boinas, bonés,
Cantigas, tretas e ronhas,
Gripes, febres, peçonhas,
Olhares, sorrisos, carracas,
Mulatas, pretas e brancas,
Casais, grupos, magotes,
Maços, molhos, pacotes,
Martelos, plainas e alavancas.
IV
Tendeiros, ciganos, marroquinos,
Homens, mulheres, gaiatos,
Calças, coletes e fatos,
Morangos, tomates, pepinos,
Campainhas, chocalhos e sinos,
Molas, anilhas, terminais,
Polícia, impostos, fiscais,
Alhos, cebolas, limões,
Correntes, fechos, botões,
Agulhas, linhas e dedais.
Sarutla
6 comentários:
Gostaria de distinguir o tema do ensaio de poesia em si (que por sinal gostei de ler ) com o tema, que neste caso tem a vêr com mercado de Vendas Novas,ou até com estes tipos de mercados, que podem ser muito populares , ter uma vertente social muito forte , mas sinceramente, é uma actividade desajustada dos nosos tempos de caracter medieval e reveladora até de un certo atraso .
Veja-se p.ex.
1- a falta de higiene na venda dos produtos alimentares;
2- a maior parte dos vendedores (ou tendeiros como lhes queiram chamar )vêm de fora do Concelho e não paga asim um cêntimo de impostos locais, para além de um pagamento simbólico pelo terrado.
3- As regras de defesa defesa do consumidor , onde estão salvaguardadas nestes mercados ?
É verdade que há muito a melhorar nestas iniciativas mas, especialmente no aspecto sanitário
Sarutla
O que gostava de saber construir estas estrofes. Isto deve ser um dom que nasce com a pessoa, não é?
Adorei o poema, ao seu autor os meus parabéns.
Quanto ao mercado mensal, creio que o autor deveria ter sido um pouco mais explícito, e um pouco mais arrojado.
Qual mercado mensal poderão perguntar alguns leitores??
Aquele aglomerado de barracas e tendas??
Porque não está o recinto vedado?
Porque não tem arruamentos asfaltados?
Porque não tem sanitários dignos?
Onde está o parque de estacionamento?
Porque não tem contentores para o lixo?
Lembrem-se de que estamos numa cidade virada para o futuro.
"Vendas Novas ... era uma vez uma princesa", só se for de tanga!!!
" Como nota final, destaque-se a importância do Planeamento como linha norteadora da actividade municipal, podendo afirmar-se que o Município de Vendas Novas prossegue hoje uma cultura de planeamento que encontra expressão em muitos estudos e planos de repercussão regional ..." " Foi nesta perspectiva que, nos últimos anos, a CMVN desenvolveu um conjunto de obras e projectos..."
E foi assim que nasceu o Mercado Mensal, que é o orgulho de todos nós.
Excelente comentário, o anterior. Anónimos assim, definitivamente sim.
Queriam saber quem eu sou não é verdade? Não, isso não, porque eu sei, por experiência própria, que um elogio vindo de um anónimo sabe muito melhor do que vindo de um comentador identificado.
O mercado mensal de Vendas Novas é um espelho dos mercados por esse País fora de norte a sul.
É o Portugal do Século XXI no seu....pior!
O anónimo das 23:28 do dia 25,tem alguma razão mas ao mesmo tempo parece um poeta.
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