quinta-feira, 12 de abril de 2007

A última etapa (2)


Na primeira abordagem ao tema, evidenciei suficientes motivos de preocupação com a insegurança e a desprotecção a que está votada boa parte desta faixa etária que percorre a última etapa da sua vida.

Sem pretender generalizar a questão, é evidente que há um claro fechar de olhos, um adormecimento colectivo da nossa população activa, perante os direitos e a dignidade que é devida àqueles que já entraram na fase descendente da vida e nela percorrem a sua última etapa.

Nesta sociedade apressada e competitiva, não há espaço nem tempo para complacências ou hesitações. Há que estabelecer prioridades, e dentro destas, os idosos ficam quase sempre para o fim. A solidão, as carências afectivas, a falta de saúde, as dificuldades financeiras, são apenas pequenos dramas, próprios deste sector, que vão passando um pouco ao lado das nossas preocupações. Desde que não seja connosco… suportamos e esquecemos de imediato.

Já ouvimos falar de idosos que só comem uma refeição diária, outros que não têm dinheiro para medicamentos, sabemos de pensões de valor abaixo dos 180,00 euros… enfim, sabemos de algumas coisas incómodas/inconvenientes, mas suportamos. Segundo nos dizem, há razões fortes que as justificam: é a economia que não arranca, o Governo que tem metas a cumprir, há o deficit, os sacrifícios que nos pedem/exigem, etc. etc.

Está tudo tão enraizado na nossa mentalidade tolerante/condescendente que já não estranhamos, nem protestamos. Ouvir dizer que há direitos consignados na Lei que defendem os idosos/doentes/sem recursos, contra as arbitrariedades e o autoritarismo, é pura especulação. Na prática, e até prova em contrário, não há ninguém com poder de intervenção/decisão, que na hora da verdade se coloque do lado deste grupo mais desfavorecido. Constato-o e lamento-o.

Manuel Filipe Quintas

3 comentários:

João Fialho disse...

Caro Manuel Filipe.

A sociedade que temos construído sofre de diversos males, constrangimentos, limitações. Uma delas é, sem dúvida, aquela a que se refere. Como sociedade, ainda não conseguimos encontrar uma fórmula que permita acudir a todas as necessidades de todos os idosos que necessitem de apoios aos mais diversos níveis.

Mesmo considerando que fazemos parte de um conjunto de países que, desde o pós-2ª G.Guerra, conseguiu construir um razoável conjunto de sistemas a que se convencionou chamar de "Estados-Providência". Estamos, por isso, integrados na zona geográfica em que se verificam maiores "indices de bem-estar" ao nível mundial: a Europa Ocidental.

Apesar de tudo, assistimos, ou temos conhecimento, demasiadas vezes de verdadeiros dramas que são vividos por aqueles que, sendo os mais idosos, se vêm privados de capacidades que lhes permitam manter a sua dignidade (falo da fome, do abandono familiar, da falta de rendimentos que permitam um mínimo de subsistência, etc., etc..).

A tudo isso, dependendo dos casos, primeiro as famílias e depois as várias entidades que trabalham nessa área, tentam fazer o que está ao seu alcance para ir ao encontro dessas necessidades. Mas sabemos que há casos graves, em que as coisas simplesmente não funcionam como deviam. Imagino que seja a isso que se refere.

No caso de Vendas Novas, tanto quanto julgo saber, está instalado um sistema de apoio que, penso eu, conseguirá acudir a muitas das necessidades dos idosos mais desprotegidos ou necessitados. Mais que isso, sinceramente, não sei.

bomdebola disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
bomdebola disse...

Caro João Fialho

Os sistemas de apoio institucionalizados funcionam apenas na medida das suas capacidades. E tanto quanto sei, são na maioria dos casos, manifestamente insuficientes face às necessidades dos utentes.

Há inúmeros factores que condicionam a qualidade de vida na terceira idade. Desde logo o isolamento, que até pode acontecer num Lar partilhado por uma centena de idosos, dependendo de nele haver, ou não, à sua volta, pessoal competente e especializado, que os ocupe, que oiça as suas histórias, que os encaminhe, que os incentive, que lhes transmita segurança e dê resposta aos seus receios, e às suas angústias.

Depois, é normal sobrevir nesta idade a debilidade própria duma saúde fragilizada. E quando isso acontece, os problemas sucedem-se e escasseiam as soluções. Tomam-se medicamentos por atacado, fazem-se contas, estabelecem-se prioridades.

Mas não é tudo. Em alguns estabelecimentos de saúde pública há casos de violação de direitos no trato com idosos. Há situações de pura subversão de leis criadas para proteger os utentes, e não há forma de condenar os abusos, quando acobertados pelo estatuto duma classe unida e inatacável.

Manuel Filipe Quintas