segunda-feira, 15 de maio de 2006

Gen. Humberto Delgado em Vendas Novas


Comemora-se hoje o centenário do nascimento do General Humberto da Silva Delgado com o lançamento de um selo dos CTT com o seu retrato; o lançamento do livro intitulado “Humberto Delgado e a Aviação Civil” ; e a exposição “Humberto Delgado e a Liberdade dos Céus”.

O ”General sem medo” quando candidato a Presidente da República no dia 14 de Maio de 1958 quando lhe perguntaram o que faria a Salazar se fosse eleito presidente, e respondeu “obviamente demito-o”, passou de um General candidato, a grande esperança da democracia em Portugal.
O seu assassínio pela PIDE em 1965, ordenado por Salazar, tornou-o um herói nacional.

Humberto Delgado entrou para a Escola do Exército em 1922 onde tirou o curso de Artilharia, e foi colocado na E.P.A. de Vendas Novas no final do curso.
Era Alferes em Vendas Novas, quando no dia 2 de Fevereiro de 1926 a Escola foi tomada pelos Sargentos com a ajuda e colaboração de civis vindos de Lisboa, e daqui partiram para Almada donde queriam bombardear Lisboa e fazer uma revolução, curiosamente nesse levantamento militar parece que o único ferido, acabou por ser o Alferes Delgado.

É essa história que vos vou contar.

Na madrugada de 2 de Fevereiro de 1926 os 2º Sargentos de Artilharia da E.P.A. amotinaram-se sob o comando do 2º Sarg. Sebastião Pauleta. Prenderam os oficiais que pernoitavam na Escola, formaram bateria e marcharam com destino a Almada donde se propunham bombardear Lisboa.
Esta tentativa de golpe de Estado destinava-se a entregar o poder à Esquerda Radical, numa repetição do movimento de Outubro de 1925, e que tal como ele foi um fracasso.
Por ordem do Ministro da Marinha o Maj. Crespo Júnior e as tropas por si comandadas dominaram o golpe e procederam à prisão dos cabecilhas que ficaram a aguardar transferência para os Açores.

O movimento revoltoso da madrugada de 2 de Fevereiro foi consequência da instabilidade política que o país atravessava, e muito particularmente da insatisfação dos militares.
Recorda-se que nos dias 17, 18 e 19 de Janeiro do mesmo ano, decorrera na Universidade de Coimbra o congresso dos Mutilados Portugueses da Grande Guerra sob a presidência do Reitor Prof. Dr. Henrique de Vilhena.
Os congressistas fizeram ouvir as suas queixas e criticaram fortemente a Administração Pública, por, passados oito anos desde o final da Grande Guerra (1914/18), não serem pagas as pensões a tempo e horas, nem serem tidos em consideração os sacrifícios que esses militares fizeram para com a Pátria. Os congressistas mostraram ainda o seu descontentamento para com os políticos por considerarem que na sua maioria degradavam os princípios da autoridade do Estado.
No final do congresso foi descerrada uma lápide de homenagem aos estudantes mortos em África e na Flandres.
Recorda-se ainda que na véspera deste golpe os Monárquicos e muitos Republicanos conservadores encheram a igreja de S. Domingos em Lisboa numa cerimónia evocativa da morte do rei D. Carlos e do príncipe D. Luís Filipe assassinados no Terreiro do Paço.

Os Sargentos da Escola foram aliciados por dois membros do Partido Radical, o jornalista João Augusto da Silva Martins Júnior, director do semanário “O Libertador” e pelo Dr. Lacerda de Almeida, ex-Ministro da Instrução.
O movimento revoltoso contou ainda com o apoio de alguns populares que controlaram os acessos à vila e às casas dos oficiais que moravam no Polígono e na parada das colónias (hoje Bernardo Faria).
O Comandante da E.P.A., Coronel Reis Fisher só conseguiu entrar no quartel após a saída dos revoltosos, não o podendo fazer antes por ter sido impedido pelos populares armados que cercaram a sua casa.

Tudo começou cerca das duas horas da madrugada.
Os 2º Sargentos Sebastião Pauleta, Monteiro, Espadinha e Figueiredo Amaral, em conluio com alguns civis e o apoio da maioria dos sarg. da Escola, apoderaram-se do aquartelamento e montaram cerco às casas dos oficiais por forma a impedir a sua reacção e oposição ao movimento revolucionário.
Seguidamente acordaram as praças e formaram a bateria que seguiu de comboio até ao Barreiro indo ocupar posição em Almada virados para Lisboa.

O Tenente Trindade, oficial de dia à Escola, foi acordado cerca das três horas da madrugada, pelo cabo da guarda. Ao aperceber-se que algo de anormal se passava no interior do aquartelamento e vendo civis armados na área da "casa da guarda", saiu do gabinete pela porta que dá para a parada exterior. Foi de imediato assaltado por um civil armado que o tentou prender, lutaram corpo a corpo e o Tem. Trindade conseguiu desarmar o assaltante.
Não sabendo concretamente o que se passava tentou dar a volta ao quartel para ir entrar pelo portão da "parada das colónias". Ao passar frente à secretaria foi alvejado por tiros vindos da "porta de armas", reagiu fazendo fogo com a arma que tinha apreendido. Após esgotar as munições e vendo-se desarmado e impotente de entrar no "quartel" dirigiu-se para casa do seu cunhado, Sr, Risques, que morava frente ao quartel afim de lhe pedir uma arma. Dado o tiroteio constante ficou acoitado em casa do seu cunhado e só regressou ao quartel após a saída dos revoltosos e o levantamento do cerco.

Pelas três e um quarto da madrugada os oficiais que dormiam nos quartos das instalações do edifício principal, foram acordados e presos por civis armados que penetraram nos mesmos, eram os Alferes Nascimento, Fontes, Costa, Castelão e Humberto Delgado.

Ao ser levado para a prisão e quando passava frente à bateria que se encontrava formada para sair, o Alf. Delgado tentou ainda falar com as praças na tentativa de os demover de aderirem à revolução. Por esse motivo foi alvejado a tiro e recolheu ferido à prisão do quartel. Não foi de imediato socorrido pois o Capitão Médico Enes Ferreira estava em diligência em Lisboa.

Os oficiais que habitavam com as suas famílias no bairro da Parada das Colónias só se aperceberam do que se passava pouco depois das quatro da madrugada ao acordarem com o barulho do tiroteio. Não conseguiram voltar para o quartel pois sempre que pretendiam sair de casa eram alvejados do exterior pelos civis que tinham montado guarda às suas casas, quer pela frente e que dão para a Parada das Colónias, quer pelos quintais da retaguarda. Também só conseguiram voltar ao quartel após a saída dos revoltosos.

As tropas revoltosas arrombaram as portas dos depósitos de material de guerra e de forragens donde levaram o seguinte material:

Pão alvo 150 Kg
Bacalhau 146 Kg.
Toucinho 150 Kg.
Grão de munição 720 rações
Fava 1122 Kg.
Aveia 240 Kg.

Fontes consultadas:
História de Portugal….Dr. Borges Coelho
Relatório da ocorrência…Cor Reis Fisher

Mourato Talhinhas
MouTal

16 comentários:

João Fialho disse...

Excelente texto.

Parece-me ser de concluir que a história de Vendas Novas é mais rica do que se julga à primeira vista.

Não fazia ideia de que tinha existido esta relação tão próxima entre Vendas Novas e o "Alferes" Humberto Delgado, ocorrida no longínquo ano de 1926.

E ainda menos que daqui tinha partido um levantamento, com destino a Almada e com a intenção de "fazer uma revolução".

Obrigado por ter partilhado connosco estes seus conhecimentos sobre história (militar) em Vendas Novas.

Anónimo disse...

lançamento de um livro sobre vendas novas dia 20 ás 16 horas no auditório municipal, vi um cartaz hoje, alguem sabe mais promenores?

Compadre Zéi disse...

muito bem !

uma bela lição de história !!!

terá seguimento ?!?!?

o amigo MouTal sabe que desde crainça me pelo por História militar ... :)))))

podia relatar os episódios ingleses do Coronel (olha, olha...) Humberto Delgado... e o principiodas bases anglo-americanas em Território Nacional ...

um abraço a todos do Compadre Zéi !

Compadre Zéi disse...

só uma pergunta, dado que andei afastado uns tempos - já se revela nomes ou é só para alguns ?!?!?!

é que cada vez aparecem mais posts anónimos... :(

Anónimo disse...

Mas que história !

Nunca , mas nunca , ouvi ou li sobre tal acontecimento.

E já agora gostava que o autor deste interessante post confirmasse uma pequena coisa :

O Gen. Humberto Delgado não era da Aviação ?

Marco Alves disse...

São estes relatos da história, contados desta forma, que nos enriquecem.

Ao ler este texto do amigo Moutal é como se estivesse a imaginar tudo aquilo que aconteceu, é como se estivesse lá como observador, como interveniente directo. Viajamos no tempo para sabermos que hoje vivemos numa cidade, outrora Vila, que fez História, História essa que desconhecemos.

Não sabia do Gen. Humberto Delgado ter estado aqui na EPA. Não conhecia a história do levantamento militar. Não sabia quem era o comandante da Escola na altura. E há por certo muitas outras coisas que não sei acerca da nossa história que o amigo podia voltar aqui a trazer. Será um prazer ler e ficar a conhecer tudo aquilo que nos queira contar.

Um Abraço

ALG disse...

E esta!...
Desconhecia por completo a passagem pela EPA, do General sem Medo e até fico intrigado por nunca tal ser referido ao longo dos anos que ali passei.
O meu amigo está de parabéns e tem que rebuscar as suas memórias e publicar o manancial de factos que possui dando-nos a conhecer estas pérolas!
muito obrigado e grande abraço!

Anónimo disse...

Já agora, o livro a ser lançado no dia 20 de Maio tem por titulo "Rumo ao Futuro, Vol.I - Vendas novas, a Caminho da Liberdade" e vai contar com a presença de alguns Capitães de Abril.
Lá estaremos, né pessoal?

MouTal disse...

Caros amigos
"alentejodive"-Vou tentar partilhar com todos algumas coisinhas que penso saber.
Prometo.

"compadre zéi"-Se gosta de história dou-lhe os parabéns, porque só conhecendo o passado se compreende o presente e se prepara o futuro.
Quanto a outras histórias do General, como deve compreender, não cabem no âmbito deste Blog.
Quanto ao anonimato cada um sabe de si e Deus sabe de todos, e quando há respeito entre as pessoas e responsabilidade no que se escreve, não há motivos para anonimatos. Tudo o que aqui se escreve não é contra ninguém, e a crítica é salutar e tem de ser entendida como tal.

"incrédulo"- A "aviação" enquanto não se constituiu no terceiro ramo das Forças Armadas, como Força Aérea Portuguesa, recebia os seus quadros de Oficiais, Sargentos e Praças maioritáriamente do Exército.
Os oficiais pilotos eram oficiais das diferentes Armas, e a Artilharia era a Arma que mais quadros fornecia porque eram os que tinham melhor formação académica.
Se reparar na fotografia de Humberto Delgado, ele está fardado como oficial do Exército e na gola do dolman ostenta as "granadas flamejantes" símbolo da Artilharia, e no peito o "brevet" de piloto aviador.
Ao Kito e Lisboa Gonçalves, o obrigado pelo incentivo e só posso prometer que para a próxima me esforço mais um bocadinho.
Obrigado a todos.

Anónimo disse...

FOI PENA O TIRO NÃO TER SIDO MAIS CERTEIRO. TALVEZ HOJE NÃO ESTARIAMOS AQUI COM SAUDOSISMOS SALOIOS.

Anónimo disse...

Impecável. Mas como é que ninguém ainda tinha falado nisto? Se é uma figura tão importante, e é mesmo, para a história do país no século passado, já se devia ter pegado neste facto e posto Vendas Novas no mapa do percurso deste grande Homem.

Compadre Zéi disse...

pois bem... General sem medo foi quase banido da nossa história nacional... quase !!!!

no entanto, após a intentona de 1926, ele ficou muito bem visto pela hierarquia militar, e aquando da 2ª guerra mundial foi ele o responsável por estudar a possibilidade de implantação de uma base aliada em território nacional...

mas isto já são outras estórias sobre a história de um grnde Homem... ... ...

Um abraço do Compadre Zé Medeiros (jr.)

Anónimo disse...

Quem é mesmo a princesa?!

Carla disse...

um texto muito bom :)
Beijos

Anónimo disse...

"Rumo ao futuro. Vol 1 - Vendas Novas, a caminho da Liberdade".

Gosto do título, e já agora diga-me: Em que Volume atingimos a Liberdade?
Trinta e dois anos não foram o suficiente para Vendas Novas chegar lá, e só agora sai o primeiro volume. Vamos ter muito que esperar?
Os senhores Capitães de Abril o que é que lá vão fazer?
Vão trazer a liberdade ao povo de Vendas Novas?
É que entre 1933 e 2006 o povo só conheceu a comandar os seus destinos, duas forças políticas, a saber; a União Nacional/ANP e a CDU/PCP.
Ó senhores Capitães, façam lá um favorzinho à malta, ensinem o povo que a alternância no poder é necessária e democrática. É que o poder corrompe, e quando é exercido pelo mesmo partido tantos anos seguidos eles accionam os mecanismos que os perpectuam no poder.
Já basta o Alberto João Jardim na Madeira e a CDU em Vendas Novas.
Façam lá outra vez o 25 de Abril em Vendas Novas, que o primeiro, o de 74, falhou.
Obrigadinho.

Milu

Anónimo disse...

Tem razão a MILU :

Vendas Novas precisa de um 25 de Abril

ACORDA VENDAS NOVAS!