segunda-feira, 18 de setembro de 2006

1 - A gestão da água em Vendas Novas: deveremos estar preocupados?

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Porque prefiro uma gestão pública do sistema de abastecimento de água?

A melhor forma de iniciar este tema é, desde já, tornar pública a minha opinião sobre o mesmo. E ela passa por defender que a gestão da água deverá manter-se numa perspectiva pública, limitando a sua liberalização e impedindo uma eventual privatização. Devo, no entanto, esclarecer que este ponto de vista vai contra aquela que é, no geral, a minha matriz de pensamento político e económico. A qual privilegia o afastamento gradual das instituições públicas (Estado, Autarquias, etc.) do domínio puramente económico e pressupõe um equilíbrio ou complementaridade entre democracia e mercado, ou seja, entre os sistemas político e económico. Pelo que digo se depreende que o sector da água merece, na minha maneira de ver, um tratamento diferenciado.

E porque é que eu não defendo, por exemplo, a privatização da gestão da água? São várias as razões. Primeiro, porque são conhecidas algumas experiências relacionadas com a gestão privada dos sistemas públicos de abastecimento de água, por exemplo em França, Alemanha e EUA, as quais demonstraram que as águas e os serviços de saneamento podem ser geridos de forma mais eficiente na esfera pública. Isto, a julgar pelas reacções aí verificadas nas respectivas comunidades.(1)

Segundo, porque uma eventual privatização do sector, defendida por aqueles que, por enquanto, insistentemente reclamam a sua liberalização através de um determinado tipo de reestruturação do sector das águas em Portugal, tenderia a sobrepor as razões de ordem económica às razões eminentemente sociais. Foi exactamente por esta ordem ter sido invertida que, no ano 2000, na Bolívia(2), teve lugar uma verdadeira “guerra da água” em reacção a incomportáveis aumentos de tarifas decidida por responsáveis pela sua gestão privada. O mesmo tipo de reacções aconteceu no Uruguai sendo que, em ambos os casos, foi posto em causa não só o aumento do preço da água como a degradação da qualidade da água distribuída às populações. Até mesmo nos EUA (na comunidade de Atlanta) as autoridades locais denunciaram recentemente o contrato de concessão da gestão da água a privados, pelo não cumprimento dos níveis de qualidade do serviço prestado às populações.

Mas esta questão vai além de casos passados em países tão díspares, para se centrar igualmente nos pressupostos utilizados pelos defensores da gestão privada. Na prática e a meu ver, o que há de importante nessa matéria prende-se com o erro cometido por quem defende que a gestão privada desses serviços é mais eficiente que a gestão pública. Está, portanto, relacionado com o conceito de eficiência. Em alguns casos será eventualmente verdade, mas esta assumpção sofre de um pecado capital, que é o de não esclarecer que a eficiência na óptica privada tem mais a ver com os objectivos dos accionistas ou detentores do capital dessas empresas gestoras, do que propriamente com objectivos previamente definidos em termos de qualidade dos serviços prestados e de incorporação da vertente social nas tarifas a praticar. Os quais facilmente se veria serem incompatíveis.

Noutros sectores a questão poderia ser equacionada de formas diferentes, até com reduzida intervenção do sistema político. Mas considerando o sector da água, os riscos seriam elevados. Na verdade, considero extremamente importante a adopção de políticas de gestão da água que se baseiem em princípios basilares da vivência em comunidade, como sejam os da solidariedade e da ética social. E que não se baseiem apenas em aspectos técnico-economicistas, tais como uma lógica de maximização dos proveitos financeiros ou dos lucros na óptica dos responsáveis por uma eventual gestão privada, o que seria desastroso, por exemplo, ao nível do incremento dos consumos de água e dos preços a praticar.

Por último, vejo na gestão pública dos sistemas de abastecimento de água ainda uma vantagem adicional: a de ter a quem pedir directamente contas e responsabilidades, no plano democrático, se os níveis de qualidade do produto final e dos serviços prestados não forem satisfatórios, se a gestão for ineficiente por erros de planeamento ou até pela ausência de planeamento, se a manutenção do sistema não for suficientemente cuidada, se não existirem incentivos á poupança de água ou mesmo se o respectivo preço não tiver em atenção as necessárias preocupações sociais.

(1) De acordo com um trabalho desenvolvido por várias individualidades para a OMC - Organização Mundial de Comércio (http://www.wto.org), entre as quais constam Clare Joy (World Developement Movement, UK), Lori Wallach (Public Citizen, EUA) e Vincent Paolo B.You III (Friends of the Earth International).

(2) Hall, David – “Multinacionais da água em retirada – a Suez retira investimentos”, PSIRU, University of Greenwich, UK, Janeiro de 2003 e, do mesmo autor, "The water multinationals 2002 - finantial and other problems",
PSIRU, University of Greenwich, UK, Agosto de 2002 (http://www.psiru.org).


No próximo dia 20 de Setembro (4ª feira), publicarei aqui neste mesmo espaço:
“Porque tenho dúvidas em relação ao novo (previsto) sistema de gestão da água em Vendas Novas?"

16 comentários:

Anónimo disse...

Deixo votos de uma boa semana e de preferencia sem seca ;)
Bjx

Anónimo disse...

Sobre este tema vou ser muito básica.
A possível privatização da Água não me parece coisa acertada. Pressupõe lucro, daí ficar mais cara para o utente e os serviços serem de menor qualidade (se os lucros não aparecerem).

Privatizar o que é serviço público, está a tornar-se "uma moda" nos tempos de hoje e dá um certo descanso a quem governa.

Pergunto: se começam a passar para uma gestão privada tudo o que é serviço público (um bem social), daqui a nada, teremos um governo só para as questões políticas internas e internacionais?
Estou talvez a exagerar, mas é o que eu penso.

Anónimo disse...

Atenção ao PCP... Os destinos da nossa água, aqui no alentejo, esta a ser discutida e votada pelos Srs lá de dentro. Há pois é!
Ser militante do PCP tem muito peso... veja-se em Setubal!
Interesses partidários postos á frente dos municipes.
É mais facil a igreja catolica aceitar o aborto que o PCP ser um partido democratico.
TÁ DITO!

Anónimo disse...

Estas questões devem ser discutidas seriamente cujo Post do "alentejodive" vai inteiramente nesse sentido merecendo por isso parabéns.

È realmente muito básico tomar posição apenas pelo "alinhamento politico " ; normalmente nada é discutido a sério ,sendo cómodo ter opinião politicamente alinhada.

È pouco e parece-me que é no que vai resultar basta esperar pelos comentários ao post...

bomdebola disse...

Este é um tema destinado a criar consensos. Embora com um relativo distanciamento, próprio de quem não domina o assunto, não estou a ver o cidadão comum a defender a privatização da gestão da água. O que não invalida que se discuta e que se tente optimizar a prestação deste serviço à população.

Parece-me assim que a sua posição é aparentemente consensual, consubstanciada pelas experiências negativas de outros países que enveredaram por esse caminho. No nosso caso, deveremos continuar a privilegiar a vertente social não descurando a melhoria do serviço, e deixarmos de lado os interesses privados, legítimos mas irrealistas. A água é um direito de todos.

Anónimo disse...

Quer dizer : O "bomdebola" refere que não domina o assunto , mas certezas não lhe faltam. É o habitual desta personagem que vai a todas...

Anónimo disse...

Oh oo:24, V. não comenta o que é de comentar e só sabe atirar farpas ao Bomdebola que faz um comentário ao post.

Também concordo que a ÁGUA é um direito de todos e que este tema deve ser muito bem ponderado pelas autarquias, partidos, governo e movimentos de cidadãos.
A água é um bem universal.
m.o.c.

Anónimo disse...

O meu comentário não tem a ver com este post... mas era só uma observação que espero seja do agrado do "Alentejo Dive"...

O ninho da cegonha que foi retirado da Capela Real tambem a mim me deixou muito desagradado, mas depois de uma observação mais atenta, calculo, e corrija-me se estiver errado, que foi salvaguardado o regresso da amiga cegonha, pois o tecto da torre foi revestido e foi colocado um suporte com, acho eu , a finalidade de a nossa amiga cegonha voltar a fazer ali o seu ninho e a ter ali as suas crias!

Cumprimentos

Anónimo disse...

"È realmente muito básico tomar posição apenas pelo "alinhamento politico " ; normalmente nada é discutido a sério ,sendo cómodo ter opinião politicamente alinhada".

Anónimo disse...

Com "alinhamento político" ou não,o
que interessa é que o cidadão comum
tenha uma opinião sensata sobre o assunto. Para isso precisa de ter mais informação, aliás, alentejodive já nos deu alguma, do levantamento que fez.

Anónimo disse...

Como é do conhecimento geral, a Sessão Extraordinaria da Assembleia Municipal marcada para o passado dia 13 de Julho foi adiada.
A reunião tinha como ordem de trabalhos "Criação de Empresa Intermunicipal de Capitais Públicos - Água Bem Público - Águas do Alentejo,EIM".
A reunião foi entretanto cancelada em virtude do Municipio de Estremoz que tinha aderido ao AMAMB na governação CDU, ter decidido sair desta associação.
Será bom frisar que os municipios aderentes aquela associação são maioritariamente comunistas nomeadamente Arraiolos,Montemor-o-Novo, Mora e Vila Viçosa, não o sendo o municipio de Estremoz.
O municipio de Estremoz, tanto como é dado conhecer, tem tido vários problemas não só com o abastecimento de água pelas suas freguesias como também ao nivel das ETARS que nunca foram finalizadas.
O exemplo de concelhos que não aderiram ao AMAMB e que pertencem ao Sistema Multimunicipal (Àguas do Alentejo Central)e que o Municipio de Estremoz quer aderir, tem sido bom exemplo da diferença de sistemas como é o caso do municipio de Évora, Reguengos de Monsaraz, Redondo, Mourão, Borba e Alandroal.
Não são só estes concelhos no Alentejo mas muitos outros aderiram já ao Sistema Multimunicipal como é, por exemplo e recentemente o municipio da Covilhã.
Desde 1995 que diversos municipios tem entregue a privados a gestão das águas e os resultados tem sido altamente positivos pois tem permitido um melhor controlo dos serviços em virtude de existir um contrato de concessão que define as obrigações e direitos das partes envolvidas.
Falar-se de água privatizada é um mito que os municipios de maioria comunista querem fazer crer.
A água não será privatizada mas sim a sua gestão sob a responsabilidade de uma entidade 100% Pública.
A constituição de empresas intermunicipais revela um partidarismo da questão na medida em que se pretende obter dividendos politico-partidarios colocando os interesses do partido da maioria à frente dos interesses do Concelho.

Anónimo disse...

Quanto aumentou a água quando a água deixou de ser gerida pelas autarquias e passou a sê-lo pelos sistemas multi ou inter-municipais?

Anónimo disse...

À atenção do anónimo “19 Setembro, 2006 23:12”


“A água não será privatizada mas sim a sua gestão sob a responsabilidade de uma entidade 100% Pública.”

Por favor, traduza-nos lá o que é que isto quer dizer na prática. É que eu até agora não percebi nada para além do cunho político que envolve a sua mensagem. Pela minha parte estou muito mais virado para as consequências boas ou más - importa apurar e é para isso que aqui estamos - de uma mudança radical num sector tão importante como este.

O que é que nós vamos ganhar com a mudança? Melhor serviço? Garantia de uma melhor qualidade? Menor desperdício? Preço mais acessível? Descontos sociais para consumidores de menores recursos? Será que o abastecimento de um bem de primeiríssima necessidade como é o caso da água deve visar o lucro e a competitividade do mercado?

Anónimo disse...

Já irei responder ao anónimo das 23,49 de ontem.
Quero antes de mais felicitar o amigo, permita-me que o trate assim,"Alentejodive" pelo seu excelente artigo sobre o assunto.
Sobre o anonimo começo por recordar o caso da EDP, será que a sua privatização piorou a qualidade, o serviço prestado?
O direito à água consiste no fornecimento suficiente, fisicamente acessivel, de uma água salubre e de qualidade aceitável para as utilizações pessoais e domésticas de cada um.
Deverá pois ser prestado um serviço de qualidade aos utentes dos serviços de água e saneamento.
Considero que uma gestão privada da água acarretará uma melhor prestação de um serviço de qualidade aos utentes e uma maior responsabilitação de todo o processo de fornecimento de água.
Quanto ao resto caberá aos cidadãos estarem atentos e numa politica de relação e de comunicação com todos os interessados controlarem a eficiencia dos gestores.

Anónimo disse...

Réplica ao "Anon. 20 Setembro, 2006 20:21"

Todos queremos o melhor, mas noto na sua argumentação bem mais considerações do que convicções. Não me convenceu.

João Fialho disse...

Agradeço aos visitantes e comentadores a forma cordata como as questões têm vindo a ser colocadas. Com isso, todos ganhamos.