terça-feira, 22 de maio de 2007

Crónicas do Líbano (2)

Voltamos hoje a publicar uma contribuição muito especial. Trata-se da 2ª Crónica do amigo e conterrâneo vendasnovense Capitão Artur Caracho, oficial de Pessoal e Logística da Companhia de Engenharia do Exército Português, em serviço no Líbano desde Novembro de 2006, no âmbito de uma missão de paz e reconstrução de infraestruturas, que constitui o contributo que o Estado português disponibilizou para aquele país, a pedido da ONU.

Aqui no "Atribulações Locais" estamos mais uma vez sinceramente agradecidos por esta excelente colaboração.




Crónica do Líbano

Na sequência do convite que me foi formulado no início da minha missão no Líbano aqui volto mais uma vez para falar um pouco sobre a vida no Líbano.

Começo por falar da população. Maioritariamente xiita, na zona onde nos encontramos, é por norma bastante hospitaleira. Naturalmente há quem não aceite a presença da ONU no seu território. Felizmente connosco tudo tem corrido bem. Nós portugueses somos por natureza pessoas sociáveis, e facilmente nos integramos no meio que nos rodeia. É claro que somos uma fonte de negócio, e no Líbano tudo serve para fazer negócio. Junto à entrada do nosso aquartelamento diariamente estacionam alguns veículos contendo no seu interior quase tudo o que se possa vender. Claro que grande parte dessas coisas são falsificações.

Um dia um dos nossos militares perguntou a um desses vendedores se um determinado produto era original. A resposta foi “not original… it´s… normal”!!! Na localidade de Tiro, a cerca de 15 km do aquartelamento português, numa loja de roupa dita “de marca” alguém perguntou de umas calças eram originais. A resposta foi “no, but this factory is number one in falsification!!!” Como disse quase tudo se vende por estes lados. E não deixa de ser curioso ver como os indivíduos muçulmanos vendem bebidas alcoólicas…às escondidas!

A população, como já referi, é bastante simpática, e hospitaleira. É frequente ser-nos servido um chá ou um café quando entramos numa loja, ou outro tipo de estabelecimento comercial, sobretudo se formos cliente assíduos. Se estamos na rua e estivermos com “ar de perdidos” facilmente alguém se aproxima de nós e pergunta se precisamos de ajuda. Claro que há sempre quem olhe para nós um pouco de lado, mas isso é normal. Não deixamos de ser uma força militar no seu país…

Apesar disso é frequente as pessoas tratarem-nos por “my friend”, expressão que facilmente, e ao fim de pouco tempo de conversa, pode evoluir para “my brother” (leia-se “my bráda”). O Líbano é um país cheio de contradições. Num determinado local é possível encontrarmos um carro sem faróis, sem vidros, sem cor, mas a andar, e ao lado um jipe Hummer topo de gama. É possível ver uma mulher com as vestes negras Xiitas tradicionais, da cabeça aos pés, e ao mesmo tempo uma mulher de mini saia e de decote arrojado.

Por todo o lado se vêm bandeiras do Líbano e do Hezbollah lado a lado, ao mesmo tempo que encontramos militares do Exército libanês e indivíduos com camuflados do Hezbollah. O próprio país é muito diferente do Norte para o sul. No sul há uma grande pobreza, há um grande atraso no desenvolvimento a todos os níveis. À medida que vamos andando para Norte ficamos com a sensação de estarmos a entrar num país diferente. Beirute é uma cidade ao nível de qualquer cidade europeia. Diria mesmo que superior a muitas delas.


Nesta minha passagem pelo médio Oriente tive a oportunidade de conhecer a capital da Jordânia, Amman, e da Síria, Damasco. Beirute é sem qualquer dúvida a mais moderna, e a mais evoluída das três. É fantástico observar como foi possível reconstruir uma cidade que ficou completamente destruída durante a guerra civil. Claro que as marcas dessa guerra continuam visíveis, mas é necessário observar com atenção. E como é óbvio as marcas do conflito com Israel no Verão passado também estão ainda presentes, embora sejam muito reduzidas, uma vez que a cidade de Beirute foi pouco atingida.

Circular de carro no Líbano é uma aventura. Primeiro porque não há regras. A sinalização está para as estradas e ruas como as luzes estão para a árvore de Natal…é mesmo só para enfeitar! Os mapas não são mais do que meras orientações geográficas. Isto porque nas placas de sinalização os nomes estão escritos de uma maneira e nos mapas de outra. E pior do que isso é quando as placas estão escritas em árabe…nestas alturas atira-se a moeda ao ar e escolhe-se uma direcção! Uma placa curiosa está junto ao Quartel General da UNIFIL, na localidade de Naqoura (a 10 km do nosso aquartelamento e a 3 km da fronteira com Israel, junto ao mar), e que apontando na direcção da estrada que liga à fronteira indica…Palestina!!!.

De facto o estado de Israel não é reconhecido pela maioria dos libaneses. Estes sempre que se referem aos israelitas dizem que são os judeus, ou “os do outro lado”. As rivalidades entre os dois países são por demais evidentes. Recentemente foram colocados cartazes nas zonas fronteiriças, ou mesmo junto à fronteira, e sempre virados para Israel, com fotografias dos soldados raptados pelo Hezbollah, ou com imagens de veículos e aeronaves Israelitas abatidos pelas forças do Hezbollah, e com frases extremamente provocatórias. Por aqui se vê que a paz não será um objectivo fácil de alcançar por estes lados…



Mas é por essa paz que aqui estamos. O tempo voa, e já na próxima 6ª feira, dia 25 regressaremos a Portugal. Foram 6 meses que decorreram sem grandes sobressaltos, apesar do constante clima de alguma tensão. Deixámos uma boa imagem, a qual é demonstrada pela reacção da população local. E acima de tudo foi uma experiência muito gratificante. Nos próximos 6 meses Vendas Novas vai continuar a estar representada no Líbano, uma vez que um Oficial da nossa terra irá integrar o próximo contingente. A ele e a todos os outros boa sorte. Aos que leram os dois artigos que escrevi para o “Atribulações Locais” muito obrigado. Ao Sr. João Fialho, e ao Sr. Cor Talhinhas muito obrigado por esta oportunidade!

Clique aqui para ler o texto anterior, igualmente excelente e também da autoria do amigo Artur Caracho.

4 comentários:

bordadagua disse...

A todos um bom regresso.

Anónimo disse...

Uma excelente descrição sobre uma região para onde ainda não pude viajar.

pedro oliveira disse...

Caro João, copiei / «linkei», descararadamente, este «post».
Um abraço.

João Fialho disse...

Olá, Pedro.
Um abraço e saudações amigas.

João Fialho